sábado, 19 de setembro de 2015

Angústias de um eleitor português residente no estrangeiro

1) O emigrante quando atualiza a sua morada no cartão do cidadão - para a morada no estrangeiro - vê automaticamente o seu recenseamento eleitoral anulado. Para poder voltar a votar deve recensear-se no seu consulado. O processo podia ser automático, como é em Portugal, mas não é. Isto bastará para garantir que uma boa parte dos emigrantes nunca sequer façam o registo eleitoral - todos aqueles que vivam a alguma distância dos seus consulados.

Propaganda PÀF endereçada à minha pessoa e morada
2) O eleitor emigrante não sabe, porque não é informado sobre isso, mas quando faz o seu recenseamento eleitoral está automaticamente a garantir o acesso ao seu nome e morada a qualquer partido político português que deseje esses dados. A CNE garante que isto é legal e invoca o artigo 4º do Decreto- lei nº 95-C/76 (Organização do Processo Eleitoral no Estrangeiro). Uma lei de 1976 que entra em claro conflito com o mais elementar bom senso e provavelmente com a lei de proteção de dados. Apesar da própria Comissão Nacional de Proteção de Dados ter emitido uma deliberação em favor desta grosseira violação de dados.

Depois de muitas queixas nas redes sociais por vários emigrantes o caso chegou ao Jornal de Notícias, era bom que não caísse no esquecimento. Não é difícil imaginar uma série de usos indevidos que os partidos podem dar a esses dados. Se a minha confiança nos partidos com assento parlamentar é pouca, que dizer de partidos como o PNR ou absolutos desconhecidos como "Nós, cidadãos" ou "PURP"? 

Em 1976 ainda não havia internet. O emigrante que se interessa por política ao ponto de fazer o seu recenseamento eleitoral no consulado - uma absoluta minoria dos emigrantes - não depende destes panfletos ridículos para formular a sua opinião.


3) O voto emigrante nas legislativas é feito por correio. O voto por correio é comum em vários países, não só para emigrantes mas também para locais. Por exemplo quando vivi na Alemanha recebi por correio informação sobre esse sistema de voto, e se entendesse votar por essa via bastaria enviar um formulário de volta. Tudo sem selos e sem complicações, desobrigando o eleitor a estar na sua zona de residência no dia da eleição. 

Morada indicada no envelope a enviar para Lisbonne
3.1) O voto para as legislativas portuguesas é ligeiramente mais complicado. Primeira complicaçãozinha escusada, é preciso uma fotocópia do cartão ou certidão de eleitor ou ficha de eleitor impressa do site. Como passo de certificação de que o voto foi mesmo feito pelo eleitor em causa parece-me um bocadinho pífio. Mas como chatice para pessoas sem impressora em casa pode ser bastante eficaz.

3.2) Vejam a morada ali em cima, é do envelope branco que deve ser usado para enviar o envelope verde com voto para Portugal. E sim, é bom que o carteiro saiba que "Lisboa" (nome que é quase sempre diferente noutras línguas) é em Portugal, porque o envelope feito para esse envio internacional não o indica. Nestas pequenas coisas se vê o desmazelo reinante. 

3.3) É expressamente proibido colocar o envelope branco noutro envelope para fazer o envio, isto apesar do envelope branco ter indicado o nome, morada e número de eleitor. Para um sistema eleitoral que confia pouco no voto por correio há aqui muita confiança em quem lida com o envelope. 

3.4) A proibição de colocar o envelope branco dentro de outro envelope é ainda mais irritante quando o envelope branco tem que ser selado. A administração eleitoral aconselha, mas não obriga, ao envio registado. Aqui no Luxemburgo isso significa que cada voto custa ao eleitor 4,95€ (ou 0,95€ sem o registo). Uma família ou grupo de amigos podia facilmente poupar bastante dinheiro usando um envelope grande comum. 

Parecerão coisas poucas, mas são irritantes e de utilidade duvidosa e sobretudo suficientes para desmotivar o já nada motivado eleitorado emigrante, que, é bom lembrar, elege 4 deputados. Outra originalidade tuga: círculos eleitorais extra-territoriais. Mais que uma originalidade, um absurdo, uma panelinha PS-PSD (os únicos partidos capazes de eleger deputados nestes círculos) que não representa ninguém.

Em 2011 só 33.059 emigrantes votaram, de um total de 195.109 emigrantes inscritos para votar, de um total potencial superior a 3 milhões de portugueses emigrados pelo mundo (há quem diga 5 milhões). 33.059 votos que decidiram 4 deputados. A título de comparação nesse mesmo ano, com 61.819 no círculo do Porto, a CDU só elegeu 2 deputados. Enquanto que o PSD elegeu 3 dos 4 deputados da emigração com 13.634 míseros votos.

Está mais que na hora de extinguir estes absurdos círculos da emigração e substituí-los por um círculo nacional que aglomere os votos dos poucos milhares de emigrantes interessados e todos os outros votos desperdiçados pelo país fora.

[Atualização 22/09/2015] Finalmente o caso da morada dos envelopes (ainda mais confusa no círculo fora da Europa) chega aos media, onde se relatam também outros problemas relacionados com a morosidade dos correios fora da Europa. Lê-se e mal se acredita: «O secretário de Estado das Comunidades conta que “na Venezuela, tradicionalmente, os (boletins de) votos nem conseguem chegar”.» A Venezuela tem uma das maiores comunidades de emigrantes portugueses, e pelos vistos "tradicionalmente" ninguém vota. Tradicionalmente ninguém tentou resolver o problema. Porque não, p.ex., serem as embaixadas não-europeias a distribuírem e a recolherem os votos? Assumindo que os envios nacionais são consideravelmente mais fiáveis e rápidos. 2 deputados são eleitos pelo círculo fora da Europa, quase sempre os 2 são do PSD, eleitos com os votos que calham chegar, tradicionalmente... Ok, ko.

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